Plano Estratégico

A ANEF considera crucial a definição e criação de um contexto que possibilite o surgimento de um verdadeiro mercado da formação profissional, sujeito a regras que comprometam, regulem e incentivem todos os seus actores: clientes e fornecedores.
A ANEF defende, por isso, que o sector seja regulado, o que até ao presente nunca aconteceu, por falta de visão e de vontade público de sucessivos governos.
Essa regulação deverá definir muito claramente o que é considerado formação profissional, quem pode ser entidade formadora, quais as formas de financiamento para a formação profissional, e as regras que deverão orientar o sector.
Para se atingir esse objectivo da criação e consolidação de um mercado de formação profissional, que possa ser credível e idóneo, a ANEF considera como essencial os seguintes pressupostos:

Estatuto de Entidade Formadora
As entidades formadoras exigem uma clarificação do sector, bem como das normas, requisitos e condições exigíveis para se ser considerada como entidade formadora.
O sistema de Acreditação / Certifiação pela DGERT, além de não ser obrigatório, revela-se uma rede de malha totalmente aberta, descredibilizando-se a si próprio, na medida em que toda e qualquer empresa ou organismo, desde que respeitando alguns meros requisitos burocráticos, pode obter a Acreditação como entidade formadora.
Exemplos? Existem muitos: quartéis de bombeiros, hospitais, gabinetes de contabilidade, empresas industriais, empresas de serviços, escolas secundárias, associações de todo o tipo, empresas agro-pecuárias, juntas de freguesia, externatos, empresas de serviços aero-portuários, ONG, IPSS, Misericórdias, enfim, poderíamos aqui listar todo e qualquer tipo de actividade económica.
Parece então que a formação profissional é uma actividade tão básica, que não exige qualquer especialização nem requisitos especiais por parte das empresas, ao nível pedagógico, técnico, de histórico de actividade, qualquer especificação no seu pacto social onde comprove a sua vocação exclusiva para tal actividade.
A ANEF defende que as regras de Acreditação das entidades formadoras devem ser muito mais restritivas, e que apenas entidades que exerçam em exclusivo a actividade da formação profissional possam obter a Acreditação, pois só estas podem oferecer, pela sua especialização, garantias de qualidade, idoneidade técnica e profissionalismo.
A solução para este problema é até bastante fácil e óbvia, pois existe um código na Classificação Portuguesa das Actividades Económicas (vulgo CAE) específico para a formação profissional:
P – Educação
85 – Educação
855 – Outras actividades Educativas
8559 – Formação Profissional, escolas de línguas e outras actividades educativas
85591 – Formação Profissional
Assim, bastará que apenas as entidades com este CAE como principal possam exercer a actividade, o que nos parece lógico e razoável, dado que a função do CAE é precisamente segmentar as empresas em função do seu ramo de actividade económica.
Isto, obviamente, não excluiria o processo de Certificação das entidades formadoras, mas permitiria que apenas as entidades com esta vocação específica se pudessem candidatar à Certificação.
Emissão de certificados de Formação Profissional
A actual legislação em vigor implementou a obrigatoriedade da emissão de certificado de formação profissional em qualquer acção de formação.
Porém, e paradoxalmente, essa legislação permite que qualquer entidade, ou mesmo qualquer pessoa individual, possa emitir esses certificados.
É de facto o que se infere do texto da Portaria nº 474/2010, dado que esta alarga a emissão de certificados a todas as entidades que, no âmbito dos requisitos do Código do Trabalho, realizem acções de formação.
Esta situação é completamente absurda, pois sendo uma das apostas do Estado (e bem) a credibilização e a certificação da qualidade da formação profissional, tendo criado inclusivamente o conceito de Certificação das entidades formadoras, não se compreende que deixe na total anarquia a emissão dos certificados subjacentes aos cursos, permitindo que qualquer acção de formação, mesmo que realizada por entidade ou pessoa sem as necessárias competências organizacionais, técnicas e pedagógicas, e sem qualquer garantia de idoneidade, tenha a mesma certificação que uma acção realizada por uma entidade que reúne todas as exigências técnicas e legais, e que é obrigada a possuir uma certificação oficial para ser entidade formadora.
No nosso entendimento, a credibilização da formação profissional só será uma realidade quando a emissão de certificados de formação profissional for permitida apenas e só às entidades formadoras certificadas, sendo as únicas com competências reconhecidas para tal.
A adopção desta regra não conflituaria com a legislação do Código do Trabalho, dado que, para estrito cumprimento da regra da obrigatoriedade das 35 horas, a formação interna promovida pelo empregador continuaria a ser válida, mas essa formação não conferiria certificado de formação, sendo a emissão destes certificados, bem como a inserção da formação na caderneta individual de formação, uma competência exclusiva das entidades formadoras certificadas como tal.
Formação co-financiada
A formação co-financiada tem sido, ao longo dos vários quadros comunitários de apoio, diferentes regras e objectivos políticos, o que não contribui para um real aproveitamento dos recursos financeiros postos à disposição do país.
A prova disso é que, após décadas e milhares de milhões de euros investidos em formação profissional, o país contínua a ter como principal problema da fraca produtividade nacional a baixa e inadequada qualificação dos recursos humanos.
No entender da ANEF, esta realidade deve-se a três principais factores:
· Nunca se ter apostado na profissionalização das entidades formadoras, permitindo que qualquer tipo de empresa ou organização, mesmo que sem vocação específica para esta actividade económica, pudesse ser considerada como entidade formadora.
· Os quadros comunitários de apoio para a formação profissional serem utilizados para atingir objectivos políticos, em vez de serem directamente colocados ao serviço dos sectores produtivos.
· O Estado pretender, por regra, definir quais as necessidades de formação profissional do tecido económico, em vez de deixar essa avaliação para os próprios actores directamente interessados, que são as empresas e os próprios trabalhadores.
Introdução do cheque-formação
É essencial ao desenvolvimento da formação dos trabalhadores portugueses a introdução do cheque-formação, gerando-se assim um mercado de formação baseado na procura, ao invés do modelo actual, em que toda a formação é baseada na oferta.
Por outro lado, o cheque-formação permite ao cliente da formação profissional (seja uma empresa, seja um trabalhador individual) escolher e gerir a sua formação em função das suas próprias necessidades específicas.
A procura que esta modalidade de financiamento iria gerar permitiria o surgimento de uma oferta perene e inovadora, estimulando o surgimento de empresas com ofertas de produtos (cursos), gerando um verdadeiro mercado de formação profissional não limitado (tanto temporal como financeiramente) aos projectos financiados, que irão aliás terminar brevemente.
Relembramos que o cheque-formação consta como prioridade no documento “Bases para um acordo de reforma da formação profissional”, acordado entre o Governo e os parceiros pociais em 2007, bem como do Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego, assinado em 2012 pelos parceiros sociais.
Concorrência desleal
A concorrência desleal é porventura o principal factor de destabilização e de iniquidade no sector da formação profissional.
Ela é de tal forma grave que a ANEF tem um documento próprio sobre este tema, que entregou à Autoridade da Concorrência.
Porém, de uma forma sintética, podemos avançar com alguns exemplos mais flagrantes, a saber:
a) Formação como “coutada” exclusiva de certos grupos profissionais ou associações sectoriais.
A actividade da formação profissional é, muitas vezes, objecto de protecção especial à concorrência por parte de alguns grupos profissionais ou associações sectoriais.
A recente condenação da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas pela Autoridade da Concorrência veio reforçar esta reclamação por parte da ANEF, e dar força à nossa pretensão de haver uma regulamentação clara e organicamente estruturada do sector da formação profissional.
Infelizmente este caso está longe de ser único, e são muitas as organizações corporativas que pretendem limitar o livre mercado da formação nos seus sectores de actividade.
Mas muitas vezes é o próprio Estado que subscreve, e legisla, estas práticas anti-concorrenciais.
O cúmulo do absurdo – e talvez corolário das práticas anti-concorrenciais – é o Decreto-Lei 207/2008, que regula as Condições Higiénicas e Técnicas na Distribuição e Venda de Carnes e Produtos Derivados.
Este Decreto-Lei estipula, no artigo 26º do seu Anexo, que “os manipuladores de carne e seus produtos só possam exercer a sua actividade nos sectores de distribuição e venda desde que tenham frequentado com aproveitamento um curso de formação em higiene e segurança alimentar”.
Porém – e aqui é que está aquilo que entendemos absolutamente ilegal, contra o espírito da livre concorrência em mercado aberto – esse curso de formação apenas pode ser “organizado e ministrado por entidades, sem fins lucrativos, que sejam representativas dos operadores do sector da comercialização de carnes e seus produtos e que sejam reconhecidas para o efeito por despacho do director-geral de Veterinária”.
Ora, esta determinação é flagrantemente condicionadora da livre concorrência, além de colidir com a própria legislação de enquadramento das entidades formadoras.
Pergunta-se: que Estado é este , onde cada Ministério legisla a seu belo prazer, mesmo se colidindo com leis estruturantes, como sejam as que enquadram e regulamentam o sector da formação profissional?
b) Concorrência por parte do Estado
O próprio Estado concorre com as entidades formadoras de forma clamorosamente imoral.
Veja-se o caso do INA, do CEFA, dos centros protocolares participados pelo IEFP.
Qualquer uma destas entidades é financiada pelos nossos impostos (e portanto também com os impostos das entidades formadoras), podem-se dar ao luxo de ter prejuízos operacionais (o Estado cobrirá), não necessitam de capitais próprios para os seus investimentos, mesmo em infra-estruturas (o Estado financia), mas mesmo assim estão no mercado a vender os seus serviços em aberta concorrência com as entidades formadoras privadas, numa clara afronta aos princípios da livre concorrência e da equidade de oportunidades.
c) Concorrência por parte de outras entidades
É fácil perceber-se que qualquer entidade ou particular, não estando sujeitos aos critérios técnicos, pedagógicos, administrativos, etc. como estão as entidades formadoras, podem apresentar-se no mercado com preços altamente concorrenciais, apesar de não oferecerem nem garantia de qualidade, nem sequer qualquer garantia sobre a qualidade do serviço que vendem ao cliente.
A ANEF entende que este status quo não defende nem a credibilidade do sector, nem a qualidade da formação, e defende que apenas e só as entidades formadoras possam prestar serviços de formação profissional.
Aliás, esta é a realidade em qualquer sector de actividade que esteja regulamentado, sendo exigido aos intervenientes um qualquer tipo de certificado, alvará, licença ou outra forma de certificação (ex.: agentes de seguros, transportadores, taxistas, serviços de contabilidade, medicina no trabalho, trabalho temporário, serviços de construção civil, instaladores de redes de gás, entre muitas outras actividades).
Clarificação do âmbito de intervenção das diversas entidades
É crucial para a moralização – e mesmo para a lógica – do sistema de formação profissional que haja uma separação de poderes e de âmbito de intervenção entre entidades reguladoras e entidades promotoras.
Não se compreende como podem existir (como acontece actualmente) entidades que são simultaneamente reguladoras, promotoras, formadoras e ainda certificadoras de outras entidades concorrentes.
Cumprimento do Código do Trabalho
O actual Código do Trabalho introduziu uma importantíssima ferramenta para reforçar as qualificações dos trabalhadores portugueses, ao criar a obrigatoriedade, por parte dos empregadores, de proporcionarem 35 horas anuais de formação profissional aos seus trabalhadores.
Porém, o que se constata é que tal norma não é fiscalizada, e portanto também não é cumprida pela generalidade das empresas e organismos (o que é tradição em Portugal, não se cumprir a Lei).
A ANEF entende que tem que haver, da parte do Estado, uma efectiva vontade de fazer cumprir esta norma, por forma a que a louvável intenção de qualificar os trabalhadores, em prol de uma melhoria global da produtividade da economia nacional, não se fique apenas por letra morta no papel.
Distinção entre ensino profissional e formação profissional
A actual promiscuidade entre os conceitos de “ensino profissional” e de “formação profissional” tem deturpado a essência da formação profissional.
Poderíamos citar vários exemplos que corroboram esta afirmação, mas realçamos apenas três:
a) A alocação de fundos comunitários à formação está cada vez mais direccionada ao ensino profissional, através dos cursos das escolas profissionais, dos cursos do ensino profissional e dos cursos de dupla certificação.
A principal consequência disso é que os fundos disponíveis estão a ser injectados esmagadoramente nas escolas secundárias, sendo os projectos apresentados pelas entidades formadoras chumbados na quase totalidade (há caos de 0% de aprovação), deixando muitas destas entidades à beira do encerramento da actividade por falta de projectos a desenvolver.
b) A quase totalidade dos fundos comunitários são alocados a programas de dupla certificação, portanto a pessoas com habilitação inferior ao 12º ano.
Assim, todos os activos com o 12º ano ou mais, ficam praticamente excluídos da possibilidade de evoluírem na sua qualificação. Ou seja, a camada da população teoricamente mais produtiva do país vê a sua evolução profissional bloqueada.
c) As necessidades de formação das empresas não são tidas em consideração, dado que normalmente as empresas (em particular as mais modernas e melhor geridas) têm pessoas mais qualificadas, e por outro lado os programas financiáveis (regra geral cingidos ao Catálogo Nacional de Qualificações) pouco têm a ver com as reais necessidades das empresas, tendo estas que escolher a formação de um catálogo “pronto-a-vestir”, ao invés de poderem fazer um fato à medida das suas necessidades.
Estatuto da ANEF
Sendo a ANEF a associação de empregadores do sector, é necessário que a Associação seja ouvida pelos decisores políticos e pelos órgãos governamentais que tutelam o sector.
Tal nem sempre tem acontecido, não obstante esta Associação ser a única do sector, e portanto a única que pode transmitir a perspectiva de quem está verdadeiramente no terreno, conhecendo a realidade.
Entendemos que a ANEF deve ser encarada como o parceiro e interlocutor privilegiado para o sector da formação profissional.